2013/11/22

Pena Máxima (ou Mínima?) de 5 Anos, Tribunal Colectivo ou Singular?





O que se transcreve a seguir não é propriamente um acórdão de "mete nojo" (mas anda lá perto).  Até porque nem conheço os pormenores da questão, mas justifica-se dizer:
- "Complicadinha" a mentalidade dos nossos juízes; ou
- Um bom exemplo do que sucede quando "eles" ligam o complicómetro; ou
- Agora percebo melhor porque é que a justiça é demorada, cara e ineficaz.

Vamos ao que importa:

Neste acórdão transcrito aqui em baixo (tal e qual) o que aconteceu, resumidamente, foi o seguinte:

O MP deduz acusação num caso em que a pena mínima admissível é de 5 anos

Logo, o caso deveria ser julgado por tribunal colectivo.

Não "entendeu" assim o magistrado do M.P. que deduziu acusação e, por isso, "decidiu" que o caso seria julgado por tribunal singular.

O juíz que recebeu a acusação e deveria ter marcado julgamento achou que a pena poderia ser (teria de ser?) superior a 5 anos, portanto teria de ser Tribunal Colectivo... declinando a sua "competência".
O Ministério Público junto do Tribunal apoiou a decisão do juiz, o arguido recorreu.

De notar, nas "curiosidades" desta questão que o Tribunal Colectivo deve julgar as penas cuja moldura penal, em abstracto, admita uma pena máxima de 5 anos de cadeia. Neste caso, os 5 anos de cadeia corresponderiam à pena mínima prevista.
Por esse facto, o tribunal que decide o recurso diz:
"não podemos, também, deixar de discordar da opção tomada pelo magistrado do Ministério Público titular do Inquérito, ao decidir aqui lançar mão do instituto em causa([2]) – [do art. 16.º, n.º 3 do CPP] - para acusar os arguidos da prática de factos integradores de crimes cuja pena mínima abstractamente aplicável, por via do concurso, é superior a 5 anos de prisão"

Todavia, decidindo:
"nos casos em que o MP, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 16.º do CPP, manifeste o entendimento* de que não deve ser aplicada ao arguido, mesmo no caso de concurso de infracções, pena superior a cinco anos, o Juiz do tribunal singular, no despacho a que se refere o art. 311.º do CPP, não pode exprimir entendimento diferente"
*) Manifeste o entendimento... dentro dos limites que a lei lhe outorga... o que não é o caso.

MAS...

O que não significa, bem entendido, que, realizado o julgamento e fixada a matéria de facto atinente à culpa e bem assim à determinação da sanção a aplicar, o Sr. Juiz do tribunal singular – à luz da argumentação contida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 455/89, publicado no DR, II Série de 28-8-1991, e caso conclua fundadamente estar em causa uma concreta medida criminal mais severa do que aquela que ditou a sua competência - não possa então ponderar a recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, agora do disposto no n.º 4 do art. 16.º do CPP, que limita também o seu poder jurisdicional, e, com esse fundamento, decidir-se pela remessa do processo para julgamento pelo Tribunal Colectivo.

Ou seja, resumindo:
O Juiz acha que a moldura penal aplicável impõe Tribunal Colectivo, (até porque os 5 anos são a pena mínima aplicável) mas isso não pode ser; não antes de realizar o julgamento... Não pode ser... porque o Procurador é um "abusado" e quem devia fazer com que cumprisse a lei se omite, tolera, é cúmplice.
Depois do julgamento sim! Se o Juiz acha que deve condenar (tem de condenar) em pena superior a 5 anos, Como não pode aplicar essa pena por ser "singular", pode (agora sim) decidir-se pela remessa do processo para julgamento pelo Tribunal Colectivo.

Portanto, uma questão que se resolveria com um único julgamento pode ter de custar, ao estado e aos intervenientes, o esforço duplo (ou triplo, ou o que for) de haver 2 julgamentos... Com a agravante de poder já não haver testemunhas. E os custos desmesurados de um julgamento escusado?

Como vêem, aqui, o que interessa não é a eficiência e adequação das decisões... mas a sujeição, cega e absurda, a disposições legais que, obviamente, não podem prever tudo mas prevêem o suficiente para que estas coisas não possam acontecer . Neste caso concreto nem prevêem nada que legitime ou fundamente a decisão "superior" que recaiu (mal) sobre o assunto. É espantoso como se "legitima" assim o "super-poder" dum procurador, super-poder "disponível" até para que cometa toda a espécie de atropelos impunemente.
A norma em que o M.P. se apoiou para se decidir por Tribunal Singular aplica-se aos casos em que a pena máxima admissível, em abstracto, seja superior a 5 anos, por motivos óbvios (o M.P. pode concluir, após o inquérito, que não se justifica aplicar a pena máxima e, consequentemente, por uma questão de economia de meios, envia para Tribunal Singular). A norma nunca é aplicável, evidentemente, aos casos em que a pena mínima é de 5 anos por motivos óbvios; nomeadamente porque, nessas condições, o julgamento deixava de fazer sentido. Por isso mesmo a norma não fala em pena mínima, porque não se aplica em casos como este e, evidentemente, seria um absurdo que os referisse, parecendo que teria sido feita por e para "atrasados mentais". Portanto, uma norma que devia servir para simplificar e racionalizar meios (sem interferir nas competências do Tribunal), passa a servir exactamente para o contrário... Porque os "ilustres" desembargadores não conhecem as regras elementares da lógica. 
Será que devíamos esperar melhor tratando-se do Tribunal da Relação de Lisboa e sabendo nós o que sabemos sobre alguns dos seus membros???
Retiro o que disse: este é também um acórdão de (gente) "mete nojo".

É a irracionalidade cretina, no seu melhor.

Sabem? Eu tenho uma enorme "malapata" com essa história, absurda, do: "não está escrito na lei que não pode ser assim, portanto não é ilegal", como podem ver AQUI

Neste caso também a argumentação para deixar passar este absurdo é: "Não é inconstitucional" (tenho dúvidas que não seja mas sendo o Tribunal Constitucional a "decidir" nada me surpreende); a norma nada diz sobre "pena mínima" (só sobre pena máxima; portanto não é aplicável no caso de "pena mínima"... digo eu que tenho a mania de usar a cabeça); mas, segundo os srs. desembargadores, como a norma não fala de pena mínima e, se a pena mínima é superior a 5 anos a máxima também é, então a decisão é legítima... mesmo sendo questionável, mas "noutra esfera". Sim porque, segundo essa gente, a lei não tem nada que ver com o elementaríssimo "senso comum". A lei tem de ser uma coisa abstracta, só inteligível para as suas "cretinas" cabeças e dependente das suas "imbecis" interpretações (com a "normal" chancela do Tribunal Constitucional).  E por maior que seja a imbecilidade, por maiores que sejam os malefícios que acarrete, não há forma de "contestar" e revogar uma decisão assim do M.P... Pois, se calhar os critérios de selecção para cargos dessa responsabilidade é que deviam ser revistos (e um indivíduo que fizesse semelhante coisa devia ser imediatamente punido, despedido... e a decisão revogada).

Ou seja, este tipo de argumentação é assim do estilo: "o Zé Saxé dá um tiro no Piripó. Este, por sua vez, decide morrer. Mas o Zé não tem qualquer problema com isso; basta-lhe chegar ao Tribunal e demonstrar que A LEI NÃO DIZ que ele, Zé Saxé, não podia dar um tiro no Piripó; portanto, o seu acto nada tem de ilegal. Agora se o Piripó "decidiu" morrer, isso já é problema do próprio Piripó... Ele, Zé, não fez nada de ilegal."

No caso das permilagens, então, a falácia é mais do que óbvia... e pretende proteger verdadeiros actos de banditismo, negando-se ao cidadão comum os seus mais elementares direitos, que deviam ser, sempre, acautelados e assegurados pelos organismos públicos... como prevê, aliás, o "Código do Procedimento Administrativo", Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro

Ora vão-se catar, todos!

E, já agora, tenham respeito pelas pessoas (e pelos recursos do País) que é por causa delas (pessoas) que vocês existem.

Transcrição do acórdão referido:

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Do recurso:
1.1 – No presente recurso – interposto pelo arguido H.([1]do despacho exarado a fls. 432/434, proferido no momento processual a que se refere o art. 311.º do CPP. – a questão a dirimir resume-se a esta de saber se, tendo o Ministério Público deduzido acusação para julgamento por Tribunal Singular, ao abrigo do disposto no art. 16.º, n.º 3 do CPP, pode ou não o Juiz do julgamento, no despacho do art. 311.º do CPP, apreciar a legalidade substantiva dessa opção do MP e, com fundamento em que é superior a 5 anos o limite mínimo das penas em concurso abstractamente aplicáveis, declinar a sua competência material e atribui-la ao Tribunal Colectivo.
1.2 –O arguido e ora recorrente entende que não, ao contrário do Ministério Público junto da 1.ª Instância que, na respectiva resposta e em apoio do decidido, defende a tese contrária.
2 – Do mérito:
Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte:
2.1 – Liminarmente, há que enfatizar que não podemos, também, deixar de discordar da opção tomada pelo magistrado do Ministério Público titular do Inquérito, ao decidir aqui lançar mão do instituto em causa([2]) – [do art. 16.º, n.º 3 do CPP] - para acusar os arguidos da prática de factos integradores de crimes cuja pena mínima abstractamente aplicável, por via do concurso, é superior a 5 anos de prisão.
2.2 – Apesar disso, porém, certo é que os únicos critério legais para utilização do mencionado instituto se prendem tão só, por um lado com a existência de crime ou crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos, e por outro com a necessidade de um juízo, prévio e fundamentado, sobre a medida concreta da pena a aplicar em caso de condenação: não superior a 5 anos.
Salvo melhor opinião, e com o devido respeito pela argumentação esgrimida no despacho impugnado, também judiciosamente sufragado pela magistrada do MP na 1.ª Instância, para esta equação não são convocáveis, pois, quaisquer considerações sobre o limite mínimo da moldura penal abstracta do crime ou, em caso de concurso, dos crimes que estiverem em causa.
2.3 – Aqui chegados, há que concluir que, sendo embora no mínimo discutível a oportunidade da opção “in casu” tomada pelo Ministério Público, ela não viola, apesar de tudo, o comando normativo utilizado. E, como ensina Paulo Pinto de Albuquerque([3]), o tribunal singular não pode controlar nem a legalidade substantiva, nem a adequação do juízo do MP da determinação concreta da competência do tribunal singular, sob pena, aliás, de nulidade insanável do respectivo despacho judicial. Apenas lhe será lícito o controlo da sua legalidade processual, isto é do uso indevido do citado comando normativo. O que vale por dizer que, com o decidido v.g. no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 12-05-05, publicado na CJ, 2005, Tomo III, pág. 125, «nos casos em que o MP, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 16.º do CPP, manifeste o entendimento de que não deve ser aplicada ao arguido, mesmo no caso de concurso de infracções, pena superior a cinco anos, o Juiz do tribunal singular, no despacho a que se refere o art. 311.º do CPP, não pode exprimir entendimento diferente e, consequentemente, atribuir ao tribunal colectivo a competência para o julgamento».
Por outro lado, e como pacífica e uniformemente vem afirmando o Tribunal Constitucional, a omissão da possibilidade de controlo judicial da adequação da decisão do Ministério Público que aplica o art. 16/3 do CPP não é inconstitucional([4]).
2.4 – Afigura-se-nos pois, pelo sumariamente exposto, que o despacho impugnado não poderá deixar de ser revogado e mandado substituir por outro que, nos termos do art. 311.º do CPP, receba, ou não, a acusação e designe dia para o julgamento.
O que não significa, bem entendido, que, realizado o julgamento e fixada a matéria de facto atinente à culpa e bem assim à determinação da sanção a aplicar, o Sr. Juiz do tribunal singular – à luz da argumentação contida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 455/89, publicado no DR, II Série de 28-8-1991, e caso conclua fundadamente estar em causa uma concreta medida criminal mais severa do que aquela que ditou a sua competência - não possa então ponderar a recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, agora do disposto no n.º 4 do art. 16.º do CPP, que limita também o seu poder jurisdicional, e, com esse fundamento, decidir-se pela remessa do processo para julgamento pelo Tribunal Colectivo.
*
2.5 – Termos em quee sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido da procedência do recurso.


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 APELO!
Participação Cívica e Direitos Fundamentais:
-- Petição Para Valoração da Abstenção
--- Assine a petição AQUI ou AQUI, ou AQUI, ou AQUI
(Nota: Alguns dos sites "linkados" começaram por boicotar a petição impedindo as pessoas de assinar e, mais recentemente, suprimiram a página com as assinaturas. Apenas "Gopetition" se mantém acessível sempre)
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-- Denúncia de Agressão Policial
--- Com actualizações AQUI e AQUI
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-- Petição contra os Crimes no Canil Municipal de Lisboa
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