2004/11/06

As Prisões. NOTÍCIAS DO INFERNO!

As Prisões! Notícias dos Infernos!

As prisões portuguesas são más! Toda a gente o sabe, toda a gente o diz, com uma indiferença e uma irresponsabilidade impressionantes.
Se as prisões são más para quem comete crimes que justifiquem a perda da liberdade, para as pessoas que estão presas inocentes, ou sujeitas a penas injustas e injustificadas, as prisões transformam-se em campos de concentração, no exacto sentido da palavra. Deixam de ser prisões e passam a ser um inferno. Pior que o inferno, porque, para o inferno só vão os culpados!
Estes casos existem! Toda a gente sabe que existem! Toda a gente fala deles! Apesar de serem silenciados pela comunicação social, toda a gente os conhece e os ignora, com uma irresponsabilidade aviltante (para toda a sociedade)
.
A propósito vou transcrever parte dum parágrafo que se encontra na pág. 163, do livro de Carlos Cruz, publicado na terça-feira. Diz o seguinte: “ Um (preso) cidadão dos PALOP … diz-me, com o seu sotaque característico “ Sr. Carlos Cruz, mesmo atrasados, os meus parabéns!” Desmentindo notícias publicadas… aqui todos me respeitam. Como eu os respeito. Vários contam-me histórias de presos que eles consideram inocentes e que estão a cumprir pena; de armadilhas nas investigações; de desvios da droga apreendida; de sentenças exageradas de juízes “especiais” e por razões pessoais. São demasiados os episódios para que seja tudo mentira. Lá fora não se imaginam…” fim de transcrição. O termo preso, entre parêntesis, é de minha autoria.

Talvez nos meios que têm rodeado o Sr. Carlos Cruz, não se imagine, e ninguém lhe pode levar a mal, porque isso se deve, exclusivamente, aos muros de silêncio que, invariavelmente, a comunicação social constrói, à volta destas denúncias, que recebe, todos os dias. Vi, algumas vezes, pessoas que saíam do EPL, visitas, dirigirem-se aos jornalistas, para contarem as suas histórias e serem ignoradas por estes. Por isso, e não só, posso garantir-lhe, Sr. Carlos Cruz, que muita gente sabe disto. Digamos, sem perigo de exagerar, que todos os que devem saber e devem actuar para acabar com este flagelo sabem, mas fingem ignorar! Fingem, como tantos outros, sobre tantas outras coisas, porque isto é um país de “faz de conta”! De qualquer forma, agradecemos o seu livro e nele este tipo de "conteúdo". É uma ajuda preciosa!

Hoje vou iniciar este “noticiário”, divulgando o seguinte facto: no sábado passado, há oito dias portanto, “suicidou-se?” um jovem, de pouco mais de vinte anos, na prisão da Carregueira. Apareceu enforcado na peanha da televisão, que estava presa na parede. E ali ficou, em exposição, à vista dos restantes, até que foi isolado da vista dos outros, com jornais. Mas retirado; isto é: socorrido, só o foi ao fim de 12 horas. Ouviram falar de alguma coisa? Eu não! É a isto que eu chamo: censura, selectiva e tendenciosa; protecção da infâmia, pela comunicação social!

Entretanto, voltei a consultar http://www.paginavermelha.org/ e lá continua a história de António Ferreira de Jesus, preso há mais de quarenta anos. Mas então o tempo máximo de prisão não é 25 anos? Para os traficantes de droga, ao que parece, são apenas uns (poucos) dias!

Também o nosso já conhecido preso nº 4 da Carregueira, o Dr. L.J.N.S., preso há mais de sete anos, inocente, nos “enviou” mais um poema. Aqui está ele:

A CAMBADA
Quatro convencidos… ! Pela sala entraram
Com negras trapagens… Chegaram cansados
De nada fazer! E todos se sentaram,
Refastelando seus feios corpos anafados,
Abrindo a audiência apalhaçada.
Lida a acusação, o presidente, irónico,
Ao arguido, em português macarrónico,
Lhe dirigiu a pergunta costumada:

- “É ou não o autor dos crimes imputados?
Como acabou de ouvir, escritos estão;
E podem vir a ser mais agravados
Porque partimos da nossa convicção,
Não valendo a pena os pretender negar.”
Seguiu-se o procurador, por sua vez,
No mesmo compadrio com os outros três
E já nada sóbrio, para o querer culpar:

- “Então, trepou ao quinto andar do seu vizinho?!
Pelo que está nos autos, por seis vezes!
Tentou furtar-lhe a gaiola e o passarinho,
Segundo o que ele diz, há doze meses.”
- “Eu?! Eu…?! É-me impossível tal acção senhor!
Ninguém pode provar a incrível escalada.
(Nada me obriga a aturar esta cambada,
Menos ainda um tão bebido procurador.)

- “Do alto da parede, lançou-se num salto
E a gaiola das suas mãos escorregou;
Abriu-se-lhe a porta, ao bater no asfalto,
E o passarinho… dela também voou,
Enlouquecendo o dono por não mais o ver.”
- “Oh, mas que horror! Assim, duma parede!?
Jamais eu saltaria, nem por baixo com rede!
(Quão estúpida esta cambada pode ser…)”

… Um dos assessores, que acabava de acordar,
Estremunhado, continuou de repente,
(Enquanto o outro não parava de ressonar)
De modo a simular que não estivera “ausente”:
- “Nas suas pernas sofreu ligeiros ferimentos
Quando numa mulher grávida esbarrou,
Que, passadas três semanas, abortou.
De nada lhe valeu os tratamentos.”

_ “Se esta história a querem levar p`ró torto
Olhem p`ra mim! Não é essa a verdade!...
Logo a mulher deitar-me as culpas do aborto!?
E o passarinho causar mental insanidade!?...
Nem com próteses daria eu salto tamanho!
E os ferimentos, nem com milagre do Céu,
P`ra quem já nasceu sem pernas, como eu…
Transplantes nunca fiz – pernas não tenho!”
Valha-lhe a inspiração para desabafar! Gostei!

A situação deste prisioneiro é a seguinte:
Sem antecedentes criminais,
Iniciou a pena em Julho de 1997
Cumpriu 2/3 da pena, em Maio de 2003
Cumpre 5/6 da pena, em 17/11/2004
A única “saída precária prolongada” que teve, em todo este tempo foi entre 11/05/2002 e 14/05/2002. Todos os restantes pedidos foram recusados.
A este cidadão, apesar de estar inocente (e toda a gente, dentro da cadeia, o reconhecer) foi-lhe concedida redução de um ano de pena, que depois foi revogada.

Aos 2/3 da pena, foi “apreciado” o processo de concessão de liberdade condicional.
Nessa monstruosidade de contra-sensos, é reconhecido, ao recluso, o facto de ter uma vida social estável, o apoio da família e a garantia de natural reinserção; apesar de se lhe reconhecer instrução e integridade de carácter, foi-lhe recusada a liberdade. Os únicos motivos (grandes motivos), apontados são:
- “A postura, do recluso, nesta prisão, tem sido de indivíduo diferenciado e que faz questão de se diferenciar, relativamente aos outros reclusos e funcionários. Isto dificulta o seu relacionamento harmonioso com as diversas partes e gera incompatibilidades”. (Apetece perguntar quantos médicos, (ou licenciados) e/ou inocentes existem naquela cadeia).
- “Relativamente à evolução do seu comportamento durante o cumprimento da pena, esperava-se uma atitude diferente, até porque se trata de pessoa esclarecida, com elevado nível de instrução. Os atritos surgidos, estarão relacionados com algumas características intrínsecas do indivíduo, mas parecem também decorrer do facto de haver uma tentativa de transferir para o sistema prisional todos os sentimentos de revolta, por ter sido condenado por um crime que nega ter cometido”
(Portanto, se está revoltado, pisa-se e ultraja-se mais. Mesmo que se reconheça que procede em conformidade com as suas características. É o que se pode chamar: vontade de alimentar conflitos estéreis, de acicatar revolta e indignação, de maltratar quem não merece. Que coisa indigna e vil!)
- “Tem usado todos os meios que tem aos seu dispor, nomeadamente o direito de queixa, para denunciar aquilo que considera serem os “excessos” dum sistema cujas regras de funcionamento se recusa a aceitar; e que chega mesmo a definir como sendo “um sistema nazi”. Este tipo de atitudes resultaram na aplicação duma sanção disciplinar de dois dias de isolamento.
- “Atendendo à gravidade do crime, à não interiorização da medida da pena e ao facto de existir um processo que poderá resultar no agravamento da pena, emite-se parecer desfavorável à sua libertação condicional”
Portanto, a conclusão da equipa de acompanhamento em meio livre, foi:
- “Pela pena que cumpre e pelo crime cometido, não assumindo a prática do mesmo, apesar de reunir condições de reinserção social, somos se parecer desfavorável…

Posteriormente, foi-lhe confirmada uma pena de prisão efectiva de 15 meses, porque “usou o direito de queixa”. Corajoso (e socialmente muito digno) um juiz que condena, covardemente, uma pessoa destas a 15 meses de prisão, por fazer uma queixa. É que, fazer uma queixa, do sistema prisional e seus desmandos, é um acto muito grave para a sociedade. Fazer queixa é mesmo do tipo de coisas que justificam pena de prisão!
Dizer mais o quê? Palavras para quê? Não é apenas um sistema nazi. É um sistema infame. Onde reina a prepotência gratuita e onde, com ela, se destrói o que a sociedade tem de mais valioso.
As cadeias estão superlotadas, porque existe lá gente à mercê desta prepotência gratuita, absurda, intolerável e injustificada. Mantêm estas pessoas presas, que não deveriam lá estar, para não prenderem os verdadeiros criminosos.
Mas há uma outra coisa que me impressionou nisto tudo: uma pessoa é presa e está inocente. Mas não é o sistema que tem que corrigir os seus erros; é a pessoa que tem que se violentar e aceitar todos os ultrajes, como se fossem justificados. Se não é capaz, se é demasiado honesta e não perde a sanidade mental com facilidade, azar o dessa pessoa. Isso justifica que fique presa eternamente! Em nome de quê? Expliquem-me!
E eu volto a perguntar: isto tem alguma coisa que ver com democracia?
Para que serve o parlamento?
Para que é que são eleitos os políticos?