2005/01/27

Poesia; Coisas sem Nexo ou…

Costumo encontrar, por aí, na rua, uma senhora forte, alta, mestiça, a dizer coisas sem nexo. Bom! Para falar verdade, algumas das coisas que diz, até fazem todo o sentido. Talvez a “falta de sentido” esteja no facto de as dizer na rua, para ninguém!
Hoje ouvi-lhe esta sequência de palavras:

“Quando você agarrou a minha filha,
Lá na estação
E a pôs no comboio,
Estava a cobrar o quê?

E se eu for na estrada,
Na calçada, na rua?
Aonde é que você vai cobrar?
Cobrar o quê?”

Ao ouvir isto,
Fiquei sem saber se era apenas Poesia;
Se seria, tão somente, dizer “coisas sem nexo”;
Ou seriam, outrossim, razões dum desequilíbrio comportamental; vulgo: Loucura.

Lembrei-me de que, há tempos, eu cruzava, frequentemente com uma outra senhora, de raça europeia, pela mesma idade (início da meia idade), que também manifestava desequilíbrio comportamental. Vim a saber que fora professora e que deixou de poder exercer, por causa desses desequilíbrios, quando perdeu o filho, o seu único filho, na guerra colonial.
Mas não falava das suas mágoas ou angústias. Toda a gente a conhecia porque, quando entrava no autocarro (e fazia-o todos os dias para ir almoçar ao Ministério da Educação), dava ordens a toda a gente, como que a vigiar a “segurança colectiva”. Mandava sentar os que iam de pé, as mulheres grávidas e com crianças, mandava chegar para trás, etc. Em tom que, não raro incomodava os que não a conheciam. O que valia é que a maior parte das pessoas já estavam habituadas.

Por isto tudo me ficaram na memória, estas palavras, ouvidas hoje.
Acredito que um poeta consiga fazer, com elas, um lindo e profundo poema. Ou talvez não… o que sei eu disso? Se até nem tenho jeito para essas coisas!